Pe. Geraldo Maia

Considero uma primorosa delicadeza da
Providência divina situar-me nesta terra, regada pelo sangue de Pedro, Paulo e
inumeráveis mártires cristãos, neste momento singular.
Não se trata aqui de esmiuçar os motivos que
levaram Bento XVI a manifestar seu desejo de renúncia. Em seus últimos
pronunciamentos o Papa tem procurado esclarecer esses motivos, ainda que a
mídia e voluntários procurem decantá-los no não dito, nem escrito.
Penso na responsabilidade de um líder
espiritual de cerca de 1 bilhão e duzentos milhões de seguidores, sucessor
ininterrupto de uma linhagem de 264 nomes quase sempre ligados ao protagonismo
da história universal e que remonta ao apóstolo Pedro, em quase dois mil anos de
história. Penso também nas responsabilidades de um Chefe de Estado, ainda que
seja do menor Estado do mundo, o Vaticano, com todos os seus protocolos e
exigências... Penso, sobretudo, na responsabilidade moral deste líder, de quem
o mundo, especialmente o Ocidente, espera orientações firmes diante dos
desafios dos tempos pós-modernos...
Não nos cabe julgar a decisão papal. Mas a
consideramos razoável e compreensível, com toda sua coerência interna. É
preciso ter “vigor tanto de corpo como de espírito” para governar a Igreja e
dar ao mundo as respostas esperadas. É certo que para se chegar ao estado de
ânimo a que o Bento XVI chegou muitos enfrentamentos se sucederam... Sabemos
que, mais do que gerenciar um museu de santos, a missão papal é exercida como num
hospital de feridos...Trata-se de tarefa sobre-humana para um homem de 85 anos.
A renúncia do Papa, além de ter sido
necessária, foi pedagógica. Ela nos ensina que ninguém é insubstituível e que o
poder só tem sentido enquanto se faz serviço aos irmãos e irmãs. Quando a
pessoa se sente impedida de servir, o poder perde sua razão de ser e precisa
circular. O poder é como água: se permanece estagnado tende a apodrecer...
João Paulo II solicitou ajuda para encontrar
novos meios de exercer o serviço do pontificado, através de sua encíclica Ut
unum sint. De fato, é preciso repensar o exercício deste ministério diante das
novas exigências de evangelização, de ser Igreja hoje e de dialogar com o
mundo. Não podemos esperar tudo do Papa, mas, em comunhão com ele, somos
chamados a assumir sempre mais o trabalho pelo Reino de Deus, já presente na
história, na potência do Espírito Santo.
Em poucos dias conheceremos um novo papa.
Acreditamos que o Espírito Santo age através de mediações, ainda que carcomidas
pelas vicissitudes humanas... Com espírito de fé acolheremos o servo dos servos
de Deus, na esperança de que ele possa ser um homem atento aos sinais do tempo
presente e que possa dialogar com as várias instâncias do mundo, conduzindo a
Igreja na trilha do diálogo sincero, da acolhida fraterna e da solidariedade
misericordiosa.
Nossa convicção é de que este novo líder nos
confirme na fé, como cristãos, para sermos as testemunhas de Jesus Cristo no
momento presente da história. Como Igreja que somos temos um grande desafio
pela frente, que é continuar o processo da recepção do Concílio Vaticano II,
redescobrindo a missão evangélica que brota da compaixão, da solidariedade, da
justiça e do amor, em favor da vida e vida em abundância.